Friday, May 24, 2013
APOLO E A SERPENTE PÍTON
APOLO E A SERPENTE PÍTON
— É tudo verdade, Juno: Latona está grávida do seu esposo, Júpiter!
Íris, a mensageira e confidente de Juno, fora quem descobrira a novidade.
— Pois quero esta mulher bem longe de qualquer terra, compreendeu? -esbravejou Juno,
enciumada. — Bem longe de qualquer terra.
"Bem longe de qualquer terra", pensou íris. "É um bocado longe."
Latona, com o ventre dolorido, foi obrigada, assim, a percorrer o mundo todo —
atravessando, exausta, lugares como o Quio, a Trácia, a Ática, a Eubéia, as ilhas do mar Egeu,
sem jamais receber abrigo de quem quer que fosse, em lugar algum. E como se isto não bastasse,
atrás dela ainda ia Píton, uma terrível serpente encarregada de devorar os seus filhos. Sem dar um
segundo de descanso, a pavorosa serpente empenhou-se na sua tarefa, sem nunca, entretanto,
conseguir alcançar o seu objetivo maior.
Assim, depois de muito vagar, Latona acabou por chegar à ilha de Ortígia, onde
encontrou, finalmente, um abrigo. Ortígia era uma ilha flutuante, não estando fixa, portanto, em
lugar algum, não fazendo parte da terra.
Ali, durante nove dias e nove noites, Latona gemeu sob o império da dor. Mas Ilícia, a
deusa que preside os partos, soube dos sofrimentos atrozes pelos quais a pobre mãe passava e
resolveu socorrê-la.
— O filho de Latona será o mais belo dos deuses, e para mim será uma honra excelsa
presidir o seu nascimento — disse ela às amigas, antes de partir.
E assim foi. Depois de intenso sofrimento, Latona viu seus trabalhos duplamente
recompensados: de seu ventre saíram não um, mas dois filhos — um belo menino, de nome
Apólo, e uma graciosa menina, chamada Diana.
— Aí tens o dia e a noite, um em cada braço — disse Ilícia, ternamente. Apólo, de pele
alva e louros cabelos, de fato era a representação perfeita do sol e do dia, enquanto que Diana, de
cabelos negros caídos sobre um colo faiscante, representava a lua envolta pela noite.
Júpiter deu a seus filhos muitos presentes, mas o que mais lhes agradou foi um
maravilhoso arco confeccionado por Vulcano. Desde este dia Diana afeiçoou-se de tal modo ao
seu exercício, que acabou se tornando a deusa da caça. Quanto a Apólo, tinha em mente, antes
que tudo, vingar sua mãe.
— Diga-me, meu pai, onde está a terrível serpente que perseguiu tão cruelmente a minha
mãe — disse ele, com os olhos postos no céu -, e irei matá-la com minhas próprias setas.
Latona e seus filhos abandonaram a ilha — que passou a se chamar, desde então, Delos,
ou seja, "ilha luminosa", em homenagem ao deus da luz e do sol -e, após vários percalços,
chegaram enfim ao seu destino.
— Eis o monte Parnaso, meus filhos — disse Latona, abraçada aos dois. Mas aquele local
magnífico, repleto de montanhas e abundante vegetação, escondia também um horror. Era ali
que a serpente Píton, filha da Terra, vivia, instalada bem ao pé do monte Parnaso em um imundo
covil.
— Chegou a hora, maldita serpente — disse Apólo, enganchando uma flecha em seu
poderoso arco -, de acertarmos as nossas contas.
De dentro da caverna partiu um urro tremendo, que fez desmoronar muitas montanhas
ao redor. Logo em seguida um bafo pestilencial, um misto de fogo e de sangue, foi expelido de
dentro, incendiando tudo que estivesse à sua frente. A serpente medonha escorregou para fora da
cova como se fosse uma língua em chamas expelida pela goela escancarada da montanha.
Apolo, após subir em cima de um rochedo, estendeu o mais que pôde a corda de seu arco
e mirou no abismo de sua boca infernal. A fera, contudo, desviou-se da seta, dando um salto
inesperado e rolando de lado sobre a relva, que ficou toda crestada.
— Apolo, meu filho, cuidado! — gritava sua mãe, abraçada a Diana, que queria se
desvencilhar dos braços da mãe para ir ajudar o irmão.
— Não se meta nisto, minha irmã! — bradou o deus solar. — Você é muito nova e frágil
para enfrentá-la
Apólo nem se dava conta de que tinha a mesma idade da irmã, mas naquele momento foi
a única coisa que lhe ocorreu para manter a salvo as duas mulheres.
A serpente agora estava completamente em pé — parecia impossível, mas estava
completamente ereta, como uma gigantesca palmeira -, e seu ventre, originalmente claro, estava
todo coberto do sangue seco e dos ossos esmagados de antigos e horrendos festins. Um silvo
ensurdecedor passou sobre o rosto de Apólo, como um vento quente e mórbido que um vulcão
houvesse expelido em seu rosto.
Píton entesou o seu corpo e lançou um bote quase certeiro sobre a rocha onde o deus do
sol se mantinha precariamente equilibrado. Um grande dente amarelado da serpente ficou
cravado sobre a rocha, como se fosse uma gigantesca espada enterrada na pedra. Dela escorria
um líquido pestilencial da cor do âmbar e que exalava um odor terrivelmente nefasto.
Apólo foi cair sobre a saliência de um penedo, ainda entontecido pelo bafo mefítico da
sua cruel inimiga. A serpente Píton, após relancear a cabeça em várias direções, arregalou suas
grandes pupilas horizontais: uma centena de línguas fendidas saíram ao mesmo tempo de sua
boca e chicotearam o ar em todas as direções. A temível Píton farejara novamente a sua presa.
Mas antes que volvesse sua cabeça na fatídica direção, Apólo já estava em pé outra vez.
Retesando ao mesmo tempo em seu arco três de suas mais afiadas setas, Apólo esticou a corda
até que ela quase estalasse.
— Serpente maldita, aqui está o seu castigo! — disse o deus, despedindo as três setas, que
partiram sibilando pelo ar.
Já no caminho as poderosas setas foram duelando com as línguas serpenteantes da víbora,
e uma chuva delas caiu do alto, decepadas pela velocidade das setas. Em seguida, cada qual
tomando seu caminho foi buscar um alvo diferente: a primeira foi alojar-se no olho esquerdo da
víbora; a segunda penetrou em seu peito, ausente de escamas, enterrando-se em seu coração; e
finalmente a terceira entrou-lhe pela boca adentro, tirando-lhe o hausto da vida. Como uma
palmeira que tomba, a serpente Píton caiu, provocando um grande estrondo, que fez tremer a
Terra durante oito dias.
Apólo vencera. Tomando então sua lira — que Mercúrio lhe dera de presente -, ele
entoou sua canção de vitória, abraçado à mãe e à irmã. Disse a elas, triunfante:
— Aqui enterrarei a terrível serpente, e sobre seu túmulo erguerei um sagrado templo,
além de um oráculo, que será em breve o mais famoso de todos.
Era o oráculo de Delfos, local onde todo mortal iria sondar os irrevogáveis decretos das
Parcas, as deusas que presidem ao destino
APOLO E DAFNE — PÍRAMO E TISBE — CÉFALO E PRÓCRIS lodo com que as águas do dilúvio recobriram a Terra acarretou uma excessiva fertilidade, que produziu enorme variedade de coisas, boas e más. Entre elas, surgiu Píton, uma serpente enorme, terror do povo, que se refugiou nas cavernas do Monte Parnaso. Apolo matou-a com suas setas — armas que não usara antes senão contra fracos animais, como lebres, cabras monteses e outras semelhantes. Para comemorar essa grande vitória, ele instituiu os jogos píticos, nos quais o vencedor nas provas de força, rapidez na carreira ou nas corridas de carro era coroado com uma grinalda de folhas de faia, pois o loureiro ainda não fora escolhido por Apolo como sua planta predileta. A famosa estátua de Apolo do Belvedere representa o deus depois de sua vitória sobre a serpente Píton. Byron assim alude ao fato no "Childe Harold": O potente senhor do arco certeiro, Deus da vida, da luz e da poesia, O Sol, em forma humana apresentado, Radioso com o triunfo no combate. Partiu agora mesmo a seta ultriz. Nos olhos, nas narinas, se desenham O desdém, a altivez própria de um deus. O
APOLO E DAFNE Dafne foi o primeiro amor de Apolo. Não surgiu por acaso, mas pela malícia de Cupido. Apolo viu o menino brincando com seu arco e suas setas e, estando ele próprio muito envaidecido com sua recente vitória sobre Píton, disse-lhe: — Que tens a fazer com armas mortíferas, menino insolente? Deixe-as para as mãos de quem delas sejam dignos. Vê a vitória que com elas alcancei, contra a vasta serpente que estendia o corpo venenoso por grande extensão da planície! Contenta-te com tua tocha, criança, e atiça tua chama, como costumas dizer, mas não te atrevas a intrometer-te com minhas armas. O filho de Vênus ouviu essas palavras e retrucou: — Tuas setas podem ferir todas as outras coisas, Apolo, mas as minhas podem ferir-te. Assim dizendo, pôs-se de pé numa rocha do Parnaso e tirou da aljava duas setas diferentes, uma feita para atrair o amor; outra, para afastá-lo. A primeira era de ouro e tinha a ponta aguçada, a segunda, de ponta rombuda, era de chumbo. Com a seta de ponta de chumbo, feriu a ninfa Dafne, filha do rio-deus Peneu, e com a de ouro feriu Apolo no coração. Sem demora, o deus foi tomado de amor pela donzela e esta sentiu horror à idéia de amar. Seu prazer consistia nas caminhadas pelos bosques e na caça. Muitos amantes a buscavam, mas ela recusava a todos, passeando pelos bosques, sem pensar em Cupido nem em Himeneu. Seu pai muitas vezes lhe dizia: "Filha, deves dar-me um genro, dar-me netos." Temendo o casamento como a um crime, com as belas faces coradas, ela se abraçou ao pai, implorando: "Concede esta graça, pai querido! Faze com que eu não me case jamais!"
Abaixo:
Apolo Belvedere
Cópia romana
MUSEU DO VATICANO,
ROMA
A contragosto, ele consentiu, observando, ao mesmo tempo, porém: — O teu próprio rosto é contrário a este voto. Apolo amou-a e lutou para obtê-la; ele, que era o oráculo de todo o mundo, não foi bastante sábio para prever o seu próprio destino. Vendo os cabelos caírem desordenados pelos ombros da ninfa, imaginou: "Se são tão belos em desordem, como deverão ser quando arranjados?" Viu seus olhos brilharem como estrelas; viu seus lábios, e não se deu por satisfeito só em vê-los. Admirou suas mãos e os braços, nus até os ombros, e tudo que estava escondido da vista imaginou mais belo ainda. Seguiu-a; ela fugiu, mais rápida que o vento, e não se retardou um momento ante suas súplicas. — Pára, filha de Peneu! — ele exclamou. Não sou um inimigo. Não fujas de mim, como a ovelha foge do lobo, ou a pomba do milhafre. É por amor que te persigo. Sofro de medo que, por minha culpa, caias e te machuques nestas pedras. Não corras tão depressa, peço-te, e correrei também mais devagar. Não sou um homem rude, um campônio boçal. Júpiter é meu pai, sou senhor de Delfos e Tenedos e conheço todas as coisas, presentes e futuras. Sou o deus do canto e da lira. Minhas setas voam certeiras para o alvo. Mas, ah!, uma seta mais fatal que as minhas atravessou-me o coração! Sou o deus da medicina e conheço a virtude de todas as plantas medicinais. Ah! Sofro de uma enfermidade que bálsamo algum pode curar! A ninfa continuou sua fuga, nem ouvindo de todo a súplica do deus. E, mesmo ao fugir, ela o encantava. O vento agitava-lhe as vestes e os cabelos desatados lhe caíam pelas costas. O deus sentiu-se impaciente ao ver desprezados os seus rogos e, excitado por Cupido, diminuiu a distância que o separava da jovem. Era como um cão perseguindo uma lebre, com a boca aberta, pronto para apanhá-la, enquanto o débil animal avança, escapando no último momento. Assim voavam o deus e a virgem: ela com as asas do medo; ele com as do amor. O perseguidor é mais rápido, porém, e adianta-se na carreira: sua respiração ofegante, já atinge os cabelos da ninfa. As forças de Dafne começam a fraquejar e, prestes a cair, ela invoca seu pai, o rio-deus: — Ajuda-me, Peneu! Abre a terra para envolver-me, ou muda minhas formas, que me têm sido tão fatais!
Mal pronunciara estas palavras, um torpor lhe ganha todos os membros; seu peito começou a revestir-se de uma leve casca; seus cabelos transformaram-se em folhas; seus braços mudam-se em galhos; os pés cravam-se no chão, como raízes; seu rosto tornou-se o cimo do arbusto, nada conservando do que fora, a não ser a beleza. Apolo abraçou-se aos ramos da árvore e beijou ardentemente a madeira. Os ramos afastaram-se de seus lábios. — Já que não podes ser minha esposa — exclamou o deus — serás a minha planta preferida. Usarei tuas folhas como coroa; com elas enfeitarei minha lira e minha aljava; e quando os grandes conquistadores romanos caminharem para o Capitólio, à frente dos cortejos triunfais, serás usada como coroas para suas frontes. E, tão eternamente jovem quanto eu próprio, também hás de ser sempre verde e tuas folhas não envelhecerão. Não parecerá estranho, sem dúvida, que Apolo fosse o deus tanto da música quanto da poesia, mas o há de parecer o fato de a medicina fazer companhia àquelas duas artes. O poeta Armstrong, que era médico, assim aplica o motivo: Exaltando a alegria, por si mesma, O sofrimento a música alivia. Os priscos sábios adoravam, assim, A medicina, o canto e a melodia. Os poetas fazem freqüentemente alusão ao episódio de Dafne e de Apolo. Waller compara-o ao caso daqueles cujos versos de amor, embora não consigam abrandar o coração da amada, servem para trazer fama ao poeta: O que cantou, porém, com tal paixão, Não foi cantado nem sentido em vão. Se foi surda a amada ao canto seu, O canto aos outros homens comoveu. Assim Febo, deixando a ilusória Paixão, no louro pôs a eterna glória
Apolo e Dafne
Gian Loreno Bernini
VLLLA BORGHESE, ROMA
A seguinte estrofe do "Adonais" de Shelley alude às primeiras querelas de Byron com os críticos: Os lobos que só sabem perseguir, Os corvos tão valentes contra os mortos, Os abutres que seguem o vencedor E devoram os despojos desprezados, Como fugiram todos, quando ele, Como Apolo vibrando o áureo arco, A seta disparou contra a serpente!
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